Itaquitanduva: a luta para manter limpa a praia dos surfistas

por Rodrigo Savazoni

Fotos por Lia Rangel e Victor Sousa

Os aborígenes que inspiraram a mitologia eram habitantes da Itália central. Eram considerados “filhos das árvores”. Os aborígenes santistas são habitantes do bairro do Japuí, em São Vicente, e podem ser considerados “filhos da praia”. São surfistas que há cerca de duas décadas se dedicam a manter limpo o seu paraíso particular, a praia de Itaquitanduva, acessível apenas por meio de uma trilha dentro do Parque Estadual Xixová-Japuí, a poucos quilômetros da Ponte Pênsil.

Trituradora manual de garrafa PET desenvolvida pelos Itaquitanduva Aborígenes

No último fim de semana de maio, eles encerraram o Circuito LABxS (Lab Santista) realizando mais um mutirão de limpeza da praia. Na atividade, apresentaram ao público o projeto de inovação cidadã que foi selecionado pelo Instituto Procomum: uma trituradora de garrafas PET movida a manivela. O protótipo, construído com apoio da equipe maker do “Crie Aqui“e do Espaço Dínamo da Unimonte, se referencia em uma peça de design aberto, e lhes permitirá processar as garrafas encontradas na trilha e na praia.

O plano de produzi-la partiu de Raphael Miranda e Alexandre Pena, engenheiros ambientais, que enxergam no material descartado encontrado na praia uma possível fonte de renda para os moradores do bairro. Matéria-prima, infelizmente, não lhes falta. O mutirão de maio foi uma mostra disso. Ocorreu logo após uma grande ressaca, que levou à praia de Itaquitanduva um volume muito grande de diversos tipos de lixo reciclável. Não faltou trabalho para as mais de cinquenta pessoas que se somaram à ação.

Voluntários separando o lixo

Além da grande quantidade de lixo recebido na praia, os voluntários têm que separar o lixo para o destino correto

Tampinhas, cabinhos de pirulito, canudinhos, potes, sapatos, chinelos, garrafas de água, de refrigerante, de cachaça, de cerveja, latas de todos os tipos, cores e tamanhos, óleo de cozinha, tênis, capacetes, guarda-chuvas, vidro, plástico, papel, borracha, lixo grande, pequeno e micro. A praia recebe tudo aquilo que o ser humano descarta sem responsabilidade. “Não existe jogar fora”, afirma Miranda. “O descarte só muda de lugar, tudo fica no planeta. Por isso é preciso reaproveitar”.

“Se hoje me tornei um engenheiro ambiental é gracas à essa praia. Por ver todo esse resíduo chegando e cada com volume maior é que nos dá vontade de prosseguir trabalhando e evoluindo. Implementando algo que você aprende na faculdade para o bem da natureza e comunidade”, conta Raphael Miranda.

Turma dos Itaquitaduva Aborígenes tomando café para se preparar para pegar a trilha e realizar o mutirão de limpeza

Os Itaquitanduva Aborígenes são comuneiros, atuam pelo bem comum. São homens, sobretudo, mas também mulheres, de várias idades, que auto-governam uma praia. Lutam para limpá-la e para mantê-la em bom estado. Buscam conscientizar ambientalmente os usuários. Preservam e reformam a trilha. E fazem tudo isso com suas próprias forças. Não contam nem com recursos da prefeitura, nem da administração do parque, do Governo do Estado. Mas estão ganhando força.

Turismo comunitário

A praia tem enorme potencial turístico. E os aborígenes vicentinos sabem disso. Para acessá-la é preciso entrar em uma das ruas principais do bairro do Japuí e seguir até o pé do morro, dobrando na rua 10 ou Antonio Luis Barreiros. Essa rua termina onde começa uma propriedade particular que parece um terreno baldio. Entulho e sujeira por todos os lados. Cruzando o trecho desalentador, chegamos a uma antiga edificação e à porta da trilha. O clima muda.

Entrada do terreno particular que dá acesso à trilha da praia de Itaquitanduva

“Aqui é uma propriedade particular, a proprietária não conseguiu construir o que queria, mas deixa aberta para a gente poder acessar a trilha. O pessoal se aproveita e joga entulho, desova o que não quer por aqui”, explica Pena. “Imagina esse lugar aqui organizado, com um espaço para receber os turistas”. Não é difícil imaginar. Aliás, é possível dizer que a praia teria tudo para ser um polo turístico. Os Itaquitanduva Aborígenes estão se mobilizando para que isso se torne realidade.

Fomos à praia em família, de Uber, e para voltar pegamos um ônibus que liga o Japuí ao canal 01 de Santos. A trilha é larga e bem sinalizada. Arborizada todo o percurso. Dura cerca de 20 minutos. Um passeio agradável, de fácil deslocamento. Dizem que há alguns anos não era assim. Ao final, há uma escada que leva até a praia. Nos contaram que essa escada foi construída recentemente e que antes o morro pregava peças, afinal escorregar por ali era regra.

Itaquitanduva é realmente linda. Com ondas violentas.Tem sombra farta, porque nos fundos há três grandes chapéus de sol que escondem a areia e os banhistas. Tem pedras dos dois lados e a mata atlântica que adorna o mar, como no litoral norte paulista. Nela não se pode acampar. Mas há quem se arrisque. Os Aborígenes construíram no canto esquerdo um mirante, com bancos, onde é possível ter uma vista panorâmica da galera surfando, com os navios ao fundo, esperando para cruzar o canal.

 

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